Tenho um filho de três anos de idade que adora estórias. Uma de suas estórias favoritas é a de Chicken Little. Aliás, refiro-me à fábula de Chicken Little, não o filme (que tem pouco a ver com a fábula original). Nessa estória, uma bolota cai de uma árvore na cabeça de Chicken Little, que imediatamente corre a todos os outros pássaros que ele conhece e diz, “O céu está caindo! O céu está caindo!” Sua empolgação acaba incitando todos os outros pássaros ao pânico – é o fim do mundo! No seu pânico, os pássaros deparam com uma raposa astuta, que os leva à sua casa com promessas de segurança, onde sua família está pronta para o banquete!
Moral da estória: uma empolgação equivocada pode matar!

De forma semelhante à empolgação de Chicken Little, é fácil ficar tão empolgado com o hebraico (ou com noções erradas do hebraico) que levamos nossas congregações a erros graves na sua caminhada com Cristo.
Nesse post, quero te ajudar a corrigir certos abusos ao mesmo tempo que afirmo a necessidade das linguagens bíblicas – afinal, é esse todo o propósito do meu site! Assim, leia meus pontos abaixo como (fortes) opiniões minhas, não como afirmações absolutas.
Como não usar o hebraico no sermão
1 – Não use o hebraico como uma palavra de “poder”
Exemplo. “Oramos a ti, Jesus, יְהוֹשֻׁעַ, Salvador!”
Por que não? Isso é magia, não exegese.
Qual o problema com isso? Existem dois problemas principais com esse uso do hebraico:
- Nem o hebraico nem o grego possuem poder em si mesmos. O hebraico é uma linguagem humana, assim como o português, o inglês, o chinês, e o tupi. Ao atribuir poder a uma linguagem que seus ouvintes não conhecem, você pode:
- Criar uma espécie de religião xamanística, no qual você, o pagé, consegue orar melhor, pregar melhor etc. porque você tem um acesso a Deus através das línguas originais que seus ouvintes não conhecem.
- Levá-los a confiar em superstições inúteis em vez do poder que há na cruz de Cristo. Como Paulo diz, não devemos nos ocupar “com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé” (1 Timóteo 1.4).
- Certamente, ao fazer isso, você estará fugindo do cerne do evangelho. Veja só, no exemplo acima, o pregador está usando um nome diferente de Jesus como se pudesse acessar Deus por meio de uma outra linguagem. Contudo, as Escrituras nos dizem claramente que todo o acesso já nos foi outorgado em Cristo (Efésios 2.18). Não podemos controlar Deus por nossas palavras!
Exceção. Não existe. Se você usa o grego ou hebraico como formas de ter poder sobre Deus, quero te implorar que você pare imediatamente! No centro desse tipo de uso do hebraico está um falso evangelho, que prega o poder humano acima do poder divino.
2 – Não ensine hebraico do púlpito
Exemplo. “A palavra em hebraico para graça é חֶסֶד. Vamos lá pessoal, tente falar essa palavra: חֶסֶד. ‘Ré’ com sotaque de carioca, depois ‘sed’, mas não ‘sede’ viu?”
Por que não? Devemos expor as glórias do evangelho de Deus no sermão – aulas de hebraico não pertencem a esse momento especial no culto público.
Qual o problema com isso? Vamos pensar um pouco sobre o que esse uso de hebraico no sermão pode gerar no culto.
- Em primeiro lugar, devemos entender que é impossível ensinar toda uma língua do púlpito, não é? Se você conseguir ensinar a língua à sua congregação na hora dos sermões, significa que você não está pregando. Isto é, você estará ensinando pronúncias, gramática, ou uma escrita do hebraico que, no fim, tomarão do seu tempo de expor Cristo a partir do texto do seu sermão. O ensino de hebraico durante o tempo que deveria ser dedicado ao sermão é um desperdício desse tempo.
- Se consideramos que o sermão é o tempo mais importante do culto público com a congregação de crentes, ao ensinar o hebraico do púlpito, você passa uma mensagem aos seus ouvintes: a língua hebraica é tão importante quanto a mensagem sobre Jesus. Isso, irmãos, é uma grande mentira. Se até mesmo os apóstolos citaram o Antigo Testamento de traduções gregas, isso significa que o que é importante no plano da salvação de Deus é a mensagem da Bíblia – mesmo em traduções – não a língua hebraica (ou grega).
Exeção. Existem algumas ocasiões nas quais é necessário explicar um jogo de palavras ou uma peculiaridade da língua hebraica que tornará o texto menos ambíguo ao leitor em português. Porém, mesmo nesses casos, tome cuidado para não tornar o sermão numa aula de hebraico!
Observação. Aliás, recomendo que, se houver interesse suficiente da parte de alguns membros da congregação, você dê aulas de hebraico numa pequena escola dominical ou estudo à parte. É claro que essas aulas deverão ser opcionais, mas é bom dar a oportunidade àqueles que querem aprender as línguas bíblicas mas não podem dedicar o tempo de fazer todo um curso de seminário. De fato, existe outro benefício: ao ensinar a língua, o professor a aprenderá melhor ainda!
3 – Não use o hebraico para apelar ao “verdadeiro” significado da palavra
Exemplo. “Nossas traduções dizem ‘servo’, mas na verdade, a palavra עֶבֶד significa escravo!”
Por que não? No cerne dessa “explicação” existe uma desconfiança nas traduções da Bíblia que temos.
Qual o problema com isso? Os tradutores da sua versão da Bíblia provavelmente conhecem o hebraico muito melhor do que você e gastaram muito tempo decidindo qual palavra usar.
- Muitas vezes, como no exemplo acima, uma palavra hebraica pode ser traduzida por mais de uma palavra em português. Veja o excelente livro de D. A. Carson sobre alguns erros de lógica que cometemos ao dizer que o “verdadeiro” significado de uma palavra é outro do que está impresso nas nossas versões portuguesas. Em vez de desmentir sua tradução, use sinônimos no sermão. Assim, em vez do exemplo acima, diga algo como “assim, Davi se chama um servo, um verdadeiro escravo, de Deus nesse Salmo”.
- Seus ouvintes eventualmente terão uma de duas reações a esse uso, ambas ruins:
- “Olha só, o pregador Fulano sabe mesmo do que está falando! Eu nem consigo entender a Bíblia em português!” Nesse caso, seu uso do hebraico afastará sua congregação de ler a Bíblia já que, para eles, só o pregador sabe do que está falando.
- “Esse cara é um charlatão! O uso dessa palavra em hebraico não adicionou nada à minha compreensão do texto!” Sei que é um exagero mas pouco a pouco esse tipo de ouvinte se tornará insensível à sua mensagem, já que ele não vê a necessidade (realmente não existe!) do apelo constante ao hebraico para explicar o significado “verdadeiro” de uma palavra.
Exceção. Como tradutores são seres humanos, existem erros em todas traduções. É possível que você discorde da tradução de um texto. Contudo, mesmo nesse caso, não é necessário pronunciar a palavra hebraica no sermão e nem dizer “o tradutor está errado aqui”. Em vez disso, use dicas do contexto para apontar seus ouvintes a um entendimento melhor. Se for realmente necessário fornecer uma tradução diferente, faça-o com cuidado e sem denegrir a tradução bíblica.
Observação. Escolha uma boa tradução bíblica. Já tive a experiência ruim de pregar habitualmente de uma tradução feita por pessoas que claramente tinham presuposições teológicas bem diferentes das minhas, e isso dificultava minha pregação, uma vez que queria ser fiel às Escrituras e ao mesmo tempo mostrar à minha congregação que eles tinham uma tradução confiável.
Esse post faz parte de uma série de posts sobre o uso do hebraico no sermão. Veja abaixo outros posts da série:
Ansioso pelos próximos! Obrigado pelas dicas, Danilo.
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Mestre..em um resumo rápido se for possível..no novo testamento o sr. faz uso do texto receptus, crítico ou ambos?
Abraços
Bruno Mota
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Olá Bruno,
Perdão em demorar tanto para responder!
Eu pessoalmente uso o texto crítico.
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