O Hebraico Bíblico e a Fonologia

Fo-no-lo-gia. Pronuncie essa palavra. Como você soube traduzir esses rabiscos virtuais (letras) em uma conjunção de sons com sentido (fonemas)?

Todos nós já temos um conhecimento básico de pronúncia, principalmente na nossa própria língua! Porém, o estudo disciplinado e sistemático dos sons de uma linguagem e de como eles se organizam é chamado de fonologia.

negadocabeloduro
Elis Regina canta sobre a Nega do Cabelo Duro: “nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia,” brincando com a ambiguidade entre os fonemas presentes em “pente que te penteia” e a percussão da canção. (Agora… falando sério… pra quem me conhece – já deixei meu cabelo crescer a esse ponto aí e não existe pente que penteie isso aí não!)

O que é fonologia?

A fonologia é o estudo de fonemas.

O que são fonemas?

Fonemas são fones específicos de uma língua. Um fone é um som ou articulação possível de se fazer com a boca; assim, exemplos de fones incluriam vogais tonais em Tailandês, ou os vários tipos de ds e ts em Hindi ou até mesmo o som do c em “carro”. Sendo assim, os fonemas são sons mais específicos do que fones – eles não são todos os sons possíveis de se pronunciar, mas todos os sons possíveis e diferenciáveis em uma língua específica. Por exemplo, em inglês, o fone do j em “jogo” ou “janta” não existe. O fonema que eles reconhecem como o som do j é o som do d em “diurno” ou “diante”. Isso é uma fonte de misérias para meu irmão, Jader, toda vez que ele visita os EUA. Ele pede pros americanos lhe chamarem de “Jay”. Já o brasileiro tem dificuldade de falar o i em “pit” (inglês). Isso é porque nossas línguas têm fonemas diferentes. Não só isso, mas o português (brasileiro), por exemplo, muda o som do primeiro o em “ovo” e “ovos”. O r em “rato” é diferente do r em “prato” e, pra confundir ainda mais, um gaúcho, um mineiro, e um carioca pronunciarão a palavra “portas” de maneiras bem distintas!

A fonologia estuda as regras por trás dessas diferenças em pronúncia, e a razão pela qual, por exemplo, a maioria dos brasileiros pronunciam o som de s em “caçar” diferentemente do som em “casar”.

Pontos de articulação, obstrução, e fonação

Cada fonema é pronunciado em um lugar diferente e de uma maneira diferente na boca (vou explicar bem rapidamente aqui. Se você tiver mais interesse, comece pelo artigo da Wikipédia de AIF).

Por exemplo, o b de “bela” é uma consoante bilabial. Já o v de “vela” é uma consoante labio-dental, porque colocamos nosso lábio de baixo nos dentes de cima (veja a foto abaixo que explica os lugares de articulação). Chamamos isso um ponto de articulação.

lugaresdearticulacao2
1 – lábio; 2 – dente; 3 – alvéolo dentário; 4 – palato duro; 5 – palato mole; 6 – úvula; 7 – faringe; 8 – epiglótis; 9 – radical da língua; 10 – dorso da língua; 11 – cavidade nasal

Ao mesmo tempo, existe outra diferença: o b é uma consoante oclusiva, porque fecha a saída de ar, e o v é uma consoante fricativa, porque apenas restringe a saída de ar. Chamamos essa restrição uma obstrução.

Agora, o legal dessas duas coisas é que podemos ver a semelhança entre, por exemplo, o בּ e o ו em hebraico. O בּ é uma consoante bilabial oclusiva – basicamente o som do nosso b. O ב seria também como nosso v. Já o ו era uma consoante bilabial fricativa, um pouco diferente do nosso v (para saber como soa uma bilabial fricativa, tente pronunciar o v apenas com seus lábios).

Além do mais, podemos distinguir consoantes surdas e sonoras. Essa distinção é chamada a fonação de uma consoante. Assim, o b e o v seriam sonoras, enquanto que o p e o f seriam surdas. Assim, para pronunciar “vaca”, você precisa usar as cordas vocais no início da palavra – o v é sonoro. Já a palavra “faca” não necessita das suas cordas vocais até o momento da pronúncia da vogal – o f é surdo.

Com isso em mente, segue uma tabela interessantíssima (pelo menos, pra mim) dos prováveis sons das consoantes do hebraico antigo (copiei e traduzi, com algumas alterações estilísticas, do livro do Joshua Blau, página 69):

Letra

Ponto de articulação

Obstrução

Fonação

א

glotal oclusiva surda

בּ

bilabial oclusiva sonora

ב

labio-dental fricativa sonora

גּ

velar oclusiva sonora

ג

velar fricativa sonora

דּ

alveolo-dental oclusiva sonora

ד

alveolo-dental fricativa sonora

ה

glottal fricativa surda (?)

ו

bilabial fricativa (semivocálica) sonora

ז

alveolo-dental fricativa sonora

ח

faringal fricativa surda

ט

alveolo-dental oclusiva enfática surda

י

palatal fricativa (semivocálica) sonora

כּ

velar oclusiva surda

כ

velar fricativa surda

ל

alveolo-dental aproximante sonora

מ

bilabial nasal sonora

נ

alveolo-dental nasal sonora

ס

alveolo-dental fricativa surda

ע

faringal fricativa sonora

פּ

bilabial oclusiva surda

פ

labio-dental fricativa surda

צ

alveolo-dental fricativa enfática surda

ק

uvular oclusiva enfática surda

ר

alveolo-dental aproximante (?) sonora

שׁ

palatal fricativa surda

שׂ

lateral fricativa surda

תּ

alveolo-dental oclusiva surda

ת

alveolo-dental fricativa surda

E aí está! Se você quiser saber como pronunciar as consoantes do alfabeto hebraico e, por alguma razão, meu vídeo não te ajudou, dê uma olhada na tabela acima.

Lembrando: coloquei acima apenas um exemplo do valor da fonologia para o estudo do hebraico bíblico. Podemos falar ainda da classificação e organização de vogais (mesmo porque existe mais de um sistema preservado sobre a vocalização do hebraico!), da mudança de fonemas devido à silabificação ou proximidade de outras letras, etc. Contudo, falta tempo e preciso dormir!

PS: Se você quiser saber sobre algum assunto a mais relacionado à fonologia e o hebraico, comente abaixo e responderei nos comentários ou em um outro post!


Esse post foi o segundo numa série sobre o Hebraico Bíblico e a Linguística. Veja os demais posts na série:

 

6 comentários sobre “O Hebraico Bíblico e a Fonologia

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