Hebraico para Iniciantes: Orações “sem verbo”

Sei que não tenho escrito muito ultimamente… A vida é bela, mas o tempo é escasso. Portanto, como:

  1. os posts que coloco na categoria “Gramática em Foco” são mais avançados,
  2. não tenho, atualmente, muito tempo para gastar escrevendo posts mais avançados,
  3. eu sei que a maioria da minha audiência ainda é novata nos seus estudos de hebraico,

decidi criar uma nova série de posts mais simples sobre algumas partes da língua hebraica que todo iniciante precisa saber. Veja bem! Não vou escrever um post simples no sentido em que ninguém mais poderá se beneficiar dele, mas vou escrever algo mais aprofundado sobre um elemento que você talvez estudou (ou está estudando) no seu primeiro ano de hebraico que pode ser um tanto confuso ainda. Em outras palavras, isso aqui não será uma aula de hebraico! Mas espero esclarecer essas partes fundamentais da língua hebraica por aqui e talvez ajudar alguns seminaristas, pastores, e demais alunos da língua hebraica.

Hoje, o tópico da vez é a oração “sem verbo”, uma das partes mais básicas e abundantes da língua hebraica.

Veja alguns exemplos abaixo:

Note que, em minhas traduções acima, forneço o verbo “ser” ou “estar” para cada exemplo, mas ele não está presente no texto hebraico em si. Como assim? Por que isso acontece? Vamos dar uma olhada nessa parte da gramática hebraica?

O que são orações?

Bom, precisamos começar no início. Quando falamos de uma oração, estamos falando de qualquer frase ou parte de uma frase que se estrutura em torno de um sujeito e um predicado. Assim, veja alguns exemplos abaixo:

NoExemplos de oraçãoContra-exemplos de oração
8O homem nada.O homem
9Nadei.na piscina do vizinho
10Ele foi ao bancoontem
11para que te pagasse.o mais rápido possível

Assim, se reduzirmos a oração à sua parte mais necessária, precisamos de um predicado. O sujeito pode ser incluso no predicado, como é o caso no no 9, mas o reverso não é verdade. Assim, “o homem” (contra-exemplo no 8), mesmo sendo o sujeito das oração no 8, não predica, isso é, não faz nenhuma ação. Sendo assim, mesmo que o no 11 não forme uma ideia completa por si só, ele tem um predicado (“pagasse”), e pode ser entendido como uma oração (nesse caso, subordinada).

Mas… o que é uma oração sem verbo?

“Peraí…” você diz, “se o predicado é a parte mais necessária de qualquer oração, como pode haver uma oração sem verbo?!”

Ótima pergunta, caro leitor! Na verdade, orações sem verbo não existem. É por isso que coloquei “sem verbo” entre aspas no título do post de hoje. O que acontece é que, na língua hebraica, assim como em várias línguas ao redor do mundo, o verbo ser, estar, ter ou haver é muitas vezes implícito em orações. Note bem! Implícito, não ausente!

Como esses verbos (ser, estar, ter ou haver) são comumente chamados verbos de ligação, em termos linguísticos, nos referimos a eles como verbos copulativos. Assim, em vez de “oração sem verbo”, um termo linguisticamente mais aceitável seria “oração com cópula zero”.

Aliás, para ser mais claro nesse post, vou usar o termo “cópula zero”, mas não fique zangado com seu professor se ele falar de uma “oração sem verbo” no hebraico – essa terminologia não está errada, e eu também uso em minhas aulas, mas ela é um pouco menos específica.

Uma curiosidade: a cópula zero em português

Veja o exemplo abaixo que uso para explicar esse conceito em português:

Viu o que fiz? Coca zero? Cópula zero? Poderíamos até chamar o exemplo acima de… cócula zero! ha ha ha … ha…

Na frase “quanto mais …, melhor”, temos um verbo implícito: o verbo haver. Assim, seguindo uma das frases acima, podemos reescrever a frase incluindo a cópula zero da seguinte forma: “Quanto mais Floripa [houver], melhor [será].”

Mas existem outros tipos de orações com cópula zero em português. Veja só abaixo:

  • Muito interessante esse seu blog!
  • Que chato o Danillo!
  • Ô meu Pai, quantas palavras!

Aliás, você percebeu que minha oração acima, “Implícito, não ausente!” também faz uso de uma cópula zero? Veja só: “[(ele {isso é, o verbo}) é] implícito, (ele) não [é] ausente!”

A oração com cópula zero em hebraico

Uma oração com cópula zero em hebraico pode ser descrita de várias formas diferentes. Vamos dar uma olhada em algumas dessas formas abaixo. Mas, antes, deixe-me te lembrar das nossas frases-exemplo:

Aliás, se você quiser saber mais sobre os tópicos abaixo, clique nos links a seguir: semântica, sintaxe, pragmática.

A semântica da oração com cópula zero

Como já falamos, o aspecto mais básico da oração com cópula zero é que seu predicado é implícito. Portanto, o significado dessa oração depende do relacionamento que é colocado entre o sujeito e o predicado. Existem alguns tipos diferentes de relacionamentos lógicos entre esses elementos da oração com cópula zero:

  • Identidade – O sujeito é declarado idêntico ao predicado. Um exemplo disso é o #1.
  • Descrição – O sujeito é descrito pelo predicado. Um exemplo disso é o #2.
  • Localização – O sujeito é localizado no predicado. Um exemplo disso é o #4.
  • Agente – O sujeito é o agente do predicado. Um exemplo (talvez menos claro) disso é o #5, no qual Deus é quem faz o bem para Israel e, portanto, é bom para eles. (Poderíamos também categorizar o #5 como um exemplo de descrição).
  • Existem vários outros relacionamentos lógicos, dentre os quais podemos destacar: paciente, aspecto, existência, e tempo, dentre outros.

A sintaxe da oração com cópula zero

Para entender a semântica dessa oração, precisamos saber com certeza qual palavra é o sujeito e qual é o predicado. Mas como podemos saber qual é o sujeito que é descrito, ou identificado, e qual é o predicado? Veja outro exemplo abaixo:

#12 ‎בְּנִי בְכֹרִי יִשְׂרָאֵל

E aí? A frase significa (12a) “meu filho primogênito é Israel” ou (12b) “Israel é meu filho primogênito”? Em termos de semântica, não há muita diferença, mas a mudança sintática muda a forma em que pensamos sobre a frase. No caso de 12a, a oração identifica o filho primogênito como sendo Israel. Quem é ele? Não é Egito, não é Canaã, ou outra nação, mas é a nação de Israel. Assim, Israel se torna o elemento que identifica o filho de Deus. Já no caso de 12b, Israel é identificado como filho de Deus.

Temos duas regras para determinar qual palavra será o sujeito na oração com cópula zero:

1. O sujeito será o elemento mais definido. No caso, podemos oferecer a seguinte hierarquia de elementos mais determinados:
a. pronome pessoal
b. nome próprio
c. uma expressão nominal definida
d. uma expressão nominal com sufixo pronominal

2. O sujeito será o elemento já conhecido pelo contexto. O predicado será a nova informação.

No exemplo #12, יִשְׂרָאֵל é um nome próprio (b), e, portanto, o sujeito da frase. Dê uma olhada nos #1-7 acima e veja se você consegue identificar os sujeitos!

A pragmática da oração com cópula zero

Não sei se é o caso contigo, mas quando alguém me manda fazer um exercício no meio de uma leitura, me bate uma letargia… Aposto que você não tentou ver os sujeitos das frases acima, não é? Ha! Te peguei!

Se você tivesse mesmo feito o que pedi, você teria notado que o #5 e o #7 seguem uma ordem diferente das demais orações. Realmente, a ordem padrão, isso é, não-marcada (veja meu post sobre pragmática para entender do que estou falando) da oração sem verbo em hebraico é sujeito-predicado (S-P). Isso é, a forma que não “chama atenção” é que o sujeito venha primeiro, e o predicado venha segundo. Quando o contrário acontece (P-S), é porque o locutor quer chamar atenção para o predicado de alguma forma especial.

Podemos nos referir a essa atenção, genericamente, de ênfase, mas a palavra “ênfase” não explica muito bem por que o locutor quis marcar o predicado, não é? Vamos subdividir essa ênfase em dois tipos: tópico e foco.

Foco

Vamos começar com foco. Foco é salientar algum elemento à custa de outros elementos. Um bom exemplo disso é que, quando focalizo no post que estou escrevendo, me esqueço de minhas outras responsabilidades, e acabo não fazendo o que deveria ter feito hoje… mas talvez esse exemplo seja só para mim. Vamos dar uma olhada num exemplo hebraico a partir do #7 abaixo:

#7 ‎‎‎לֹא כַנָּשִׁים הַמִּצְרִיֹּת הָעִבְרִיֹּת

No caso do exemplo acima, o predicado se torna o foco da oração. Mas o que significa dizer que “não como as mulheres egípcias” é o foco da oração? Significa que o contraste com as mulheres egípcias é o ponto mais saliente da oração. As parteiras querem deixar bem claro para Faraó que mulheres hebreias não têm nada a ver com mulheres egípcias.

Tópico

Tópico é um elemento que é destacado dos demais elementos como sendo temático no contexto maior. Nesse caso, vamos dar uma olhada de novo no exemplo #5, do Sl 73.1:

#5 ‎‎אַךְ טוֹב לְיִשְׂרָאֵל אֱלֹהִים

O que quer dizer que “certamente bom para Israel” é o tópico da oração? Bom, essa é a primeira oração do Salmo (após a introdução “Salmo de Asafe”), e é contrariada pela experiência do salmista nos vs. 2-16. Contudo, a partir do v. 17, ele entra na presença de Deus e começa a notar – realmente, Deus É BOM PARA ISRAEL, até que no último versículo do Salmo (v. 28), Asafe confessa: ‎וַאֲנִי קִרֲבַת אֱלֹהִים לִי־טוֹב (“mas eu – a proximidade de Deus é bom para mim”). Veja só então como a bondade De Deus é colocada em alto-relevo desde o início do Salmo para mostrar aos ouvintes que o tópico não só da oração, mas de todo o discurso, é a bondade de Deus.


É isso aí! Espero que você tenha aprendido um pouco mais sobre orações sem verbo. Se tiver outras perguntas sobre elas, faça-as abaixo.

Se houver outro tema que gostaria de ver abordado com maior profundidade, sugira-o abaixo também. Estou sempre à busca de novos temas para tratar aqui no blog, e esse tema veio da pergunta de um aluno sobre a tradução de Êx 1.19!

2 comentários sobre “Hebraico para Iniciantes: Orações “sem verbo”

  1. Róger Araújo

    Show de bola de texto👏👏👏. Não tenho formação teológica, mas a partir das suas aulas consegui entender o conteúdo inteiramente.

    Sou novo por aqui, então pode ser que as sugestões que eu vou deixar já tenham sido abordadas, mas me arriscarei mesmo assim pedindo desculpas de antemão se já houver aqui no site:

    1) porque temos o “ó” antes de rei nas nossas traduções de Daniel 6:21 (מַלְכָּא)?
    2) como lidar com בְּרֵשִׁית em Gn 1:1, visto que está sem artigo, mas nossas versões vertem com ele? Existe alguma outra forma de tornar esse princípio definido que não a colocação do artigo?

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    1. Oi Róger,

      Fico feliz que o post te ajudou! Fico feliz também de conseguir ajudar àqueles que não têm formação teológica. Realmente creio que um pouco mais de compreensão acerca das línguas bíblicas pode ser de grande valia para a igreja.

      Quanto às suas sugestões, em primeiro lugar, obrigado! Agora, quanto a respostas…
      1. Isso é uma questão do aramaico, mas a resposta curta é que o aleph no final é o artigo definido da palavra, e o artigo definido em aramaico pode expressar a ideia que chamamos de “vocativo” (= um estado de substantivos que fica claro que estamos chamando alguém). Mas acho que seria bom escrever um artigo sobre… o artigo.
      2) Ótima pergunta. Não tenho uma resposta curta satisfatória para te dar – existem várias divergências sobre a compreensão e tradução desse texto. Talvez escreva mesmo um artigo sobre isso um dia.

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