Entrevista com Pr. Marcos Rogério

Creio que já faz um tempo que fiz uma entrevista. A última, feita com meu irmão, foi no início de 2019. Então já precisávamos entrevistar outros, não é? Hoje temos uma entrevista com o Pr. Marcos Rogério, que é um professor no IBAA, em Cuiabá. Para um pouco da nossa história: nós nos conhecemos na Igreja Presbiteriana do Bairro Campo Belo, na qual Marcos trabalhou como seminarista sob a supervisão do meu pai, Pr. Valdeci da Silva Santos, e nos tornamos amigos durante nossos estudos em seminários diferentes. Tenho grande respeito pelo Marcos e sua dedicação aos estudos teológicos. Leia abaixo sobre as experiências dele com as línguas bíblicas!

1. Marcos, antes de outras perguntas, conte-nos um pouco sobre sua história. Onde você está agora e como chegou aí? Quando você começou seus estudos na língua hebraica?

Olá Danillo. Antes de tudo, agradeço o convite para compartilhar um pouco da minha vida e ministério contigo e com os leitores do Isso é Hebraico, canal pelo qual você tem feito importantes contribuições para nosso conhecimento do hebraico bíblico.

Minha conversão ao Evangelho se deu há quase dezessete anos, no final de 2003. Hoje tenho quarenta e um anos, sou casado com a Patricia há quatorze anos e temos um casal de filhos pequenos, Sofia e Joaquim (meus mais jovens e estimados alunos de línguas bíblicas).

No presente momento pastoreio a Igreja Presbiteriana Alvorada em Cuiabá-MT, onde sirvo desde o término do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição (JMC) em 2016. E enquanto cursei teologia (2013-2016), servi como seminarista na Igreja Presbiteriana do Campo Belo com o Rev. Valdeci da Silva Santos, a quem tenho grande admiração e gratidão (não sinta ciúmes de seu pai, por favor, mas excetuando a idade ele é como um pai para mim também). Já antes de ser enviado ao seminário, estudei dois anos no Instituto Bíblico Rev. Augusto Araújo (IBAA) em Cuiabá como requisito preparatório do presbitério, instituto no qual há dois anos sou professor, lecionando as disciplinas de hebraico, grego e respectivas exegeses.

Quanto ao estudo do hebraico, iniciou-se no período do instituto bíblico, depois se estendeu ao seminário e posteriormente ao Centro de Línguas Andrew Jumper (CLAJ), mantido pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ), onde tive o gracioso privilégio de ser seu aluno e presenciar seu domínio dessa língua bíblica e seu amor pelo ensino.

Sobre o começo do estudo de línguas bíblicas, está relacionado a uma história que marcou o início da minha conversão. Na igreja que frequentei na ocasião, o pastor costumava mencionar em seu sermão algo sobre o grego. Curioso, procurei entender. E, depois de saber que era a língua do Novo Testamento, conclui que eu deveria conhecê-la. Pouco tempo depois eu estava matriculado no IBAA para aprender grego (não sei o porquê de não me interessar pelo hebraico naquele tempo), era o ano de 2004. Contudo, alguns dias depois me mudei para uma cidade do interior, não podendo continuar o curso. Todavia, nunca mais me esqueci da ideia. E em 2011, sete anos depois, finalmente retornei a Cuiabá e pude recomeçar o estudo das línguas originais, incluindo o hebraico agora.

2. Continuando o tema do estudo da língua hebraica, quando você sentiu que finalmente “entendia” o hebraico?

Nossa, quanto falta realmente! No entanto, senti que “estava começando a entender” hebraico quando o estudo do texto nessa língua passou a gerar conteúdo efetivo para meus sermões. Eu diria o mesmo para o grego. E explico.

Tenho por hábito fazer minha própria tradução do texto de cada sermão. Esse processo é trabalhoso, mas proporciona uma apropriação muito singular do texto, em minha opinião e experiência. Pois, enquanto busco compreender os inúmeros aspectos linguísticos do texto e como esses aspectos podem ser adequadamente comunicados com clareza em minha própria língua, um conteúdo é naturalmente gerado a partir dessa dinâmica. Esse conteúdo, depois de devidamente refinado pela homilética durante a escrita do texto do sermão, será o conteúdo fundamental da exposição da Palavra de Deus.

Digo isso porque minha aprendizagem inicial de pregação foi marcada por uma ênfase na exposição do ensino doutrinário presente na passagem bíblica. No entanto, percebo hoje que essa ênfase tende a deixar de lado aspectos particulares do texto bíblico que são importantes para o conhecimento de Deus e para a piedade cristã.

Naturalmente, entendo que um sermão não é uma aula de exegese acadêmica, mas compreendo ao mesmo tempo que aspectos importantes da revelação da Palavra de Deus presentes no texto do sermão devem ser apresentados aos meus irmãos a quem prego. Também, sinto necessidade de demonstrar que qualquer palavra de consolo ou de admoestação, trazida como aplicação do sermão, procede da Palavra de Deus presente naquele texto em particular.

3. Como você vê o conhecimento da língua hebraica te ajudando no seu ministério?

Creio que acabei antecipando esta resposta na questão anterior. Sabemos que o ministério pastoral é primordialmente delineado pelo ministério da Palavra. Não apenas em sermões públicos, mas ainda em aconselhamentos pastorais, estudos bíblicos, ensino de casa em casa, discipulado pessoal e todas as demais formas de ensino da Palavra de Deus. Sempre estimulei meus irmãos a me perguntarem sobre algo que não conseguirem entender durante a leitura devocional da Bíblia — e às vezes eles precisam esperar alguns dias por uma resposta, pois são perguntas inteligentes envolvendo questões de difícil interpretação!

Mas vou ampliar a resposta. Em minha avaliação, o estudo das Escrituras em suas línguas originais tem me capacitado a oferecer um ensino mais fiel da Palavra de Deus às ovelhas de Cristo que estão sob meus cuidados. Não me refiro apenas à fidelidade doutrinária — os Símbolos de Fé de Wesminster representam a minha confissão de fé e meu ensino teológico expressa essa mesma confissão. Refiro-me também à fidelidade textual, ao expor a meus irmãos, a quem sirvo nesse ministério, o que uma determinada passagem bíblica está mais especificamente nos ensinando, conforme a intenção do seu autor último, o próprio Deus.

Falar o “assim diz o Senhor” é algo muito sério para mim, enche meu coração de temor. No entanto, tendo sido misericordiosamente chamado para o ministério da Palavra, preciso ter maior descanso em saber que não deixei de me gastar na busca por compreender o texto das Escrituras tal como foi inspirado pelo Espírito Santo, o que requer o conhecimento das línguas originais.

À cada sermão reconheço que não fui diligente o quanto deveria — Deus conhece cada um daqueles dez minutos que usei com o que não precisava e que poderiam ser empregados na melhor preparação do sermão. Mas, ao mesmo tempo, descanso com sinceridade humilde na graça de Deus por não ter sido negligente o quanto eu seria se não tivesse me dedicado com zelo, labor e devoção em conhecer o texto das Escrituras que usarei para entregar o sermão dominical a meus irmãos. Isso para mim é parte constituinte do culto congregacional durante a pregação — enquanto meus irmãos atenciosamente devotam mente e coração à pregação da Palavra, eu diligentemente me devotei para estar ali e continuo a fazê-lo enquanto prego.

4. Qual conselho você daria a outros pastores ou aspirantes ao ministério concernente ao estudo e uso das línguas originais da Bíblia?

Eu gostaria de conseguir ter clareza suficiente para não ser mal interpretado nessa questão. Como se eu porventura quisesse dizer que sem conhecimento das línguas originais ninguém seria capaz de exercer o pastorado ou ser um pastor piedoso e abençoador em sua igreja. Tentando eliminar essa impressão, a priori, eu ofereceria um conselho para meus futuros colegas de ministério e outro para os que já estão no labor pastoral, além de apresentar duas sugestões para ambos ao final.

Aos que estão começando agora, eu aconselharia a não deixarem de aprender efetivamente as línguas originais durante o período de formação. Infelizmente, é possível concluir essas disciplinas sem conhecimento efetivo — e não me refiro a fraudes aqui, mas àquele conhecimento temporário apenas para conseguir a nota da aprovação.

Sinceramente, tenho a impressão que falta clareza sobre a importância do conhecimento das línguas bíblicas para os estudantes de seminários e institutos bíblicos. Sem julgar aqui a causa desse problema. E vejo isso de maneira ampla, seja pela minha experiência pessoal de ensino e aprendizagem seja na interação com colegas de outros contextos.

Também, parece existir uma ideia de que esse conhecimento é algo para especialistas. Ideia que é, sem dúvida, equivocada. Naturalmente, nem todos seremos gramáticos, por exemplo, especialistas efetivamente. Mas conhecer os idiomas que o Senhor Deus usou para entregar sua Palavra inspirada é algo importante para todos os que são chamados ao ministério da Palavra, à fiel exposição das Escrituras. E em geral não há um lugar mais adequado para isso que durante a preparação ministerial.

Já em relação aos pastores que, por algum motivo, não usam as línguas originais para o preparo da exposição das Escrituras, seja porque não tiveram oportunidade de aprender ou porque deixaram de usá-las com o tempo, eu aconselharia a que considerassem fazê-lo. Recomendaria que investissem tempo para se capacitarem nessa área útil para o exercício do ministério da Palavra. Um pouco por vez, conforme o nível e as circunstâncias vierem a permitir. Não tenho dúvida que o resultado será de bons frutos.

Dois conselhos gerais, por fim. Primeiro, que tenhamos bastante perseverança e paciência — o período do seminário é apenas o começo para nós. Estamos falando de um aprendizado que dura a vida inteira e que requer trabalho árduo. Não falo novidade, pois esse aprendizado ininterrupto e esse labor intenso se aplica a todas as demais áreas do conhecimento necessário aos que são dedicados ao ministério da Palavra.

O que eu diferenciaria aqui é que, no caso das línguas originais, como eu disse anteriormente, parece haver essa falta de clareza de sua importância para nós que somos pastores de igrejas locais. Associado a isso, a cultura imediatista e de resultados pragmáticos se apresentam como inimigo para os pastores que desejam investir tempo devido na preparação do sermão — creio que precisamos ser contraculturais aqui. Veja, creio que um pastor sério jamais afirmaria que não é importante estudar o texto na língua original. Essa falta de importância que me refiro se apresenta apenas de maneira prática, quando o estudo do texto original é deixado fora no processo de preparação do sermão. Segundo, vejo como importante a aquisição e domínio de uma boa ferramenta para o estudo do texto bíblico nas línguas originais. Há excelentes softwares bíblicos hoje para esse fim. Sem dúvida, eles não farão o trabalho por nós, o que farão é nos oferecer grande auxílio nesse processo se deles fizermos bom uso. Eles podem nos proporcionar uma boa ajuda no acesso às línguas bíblicas e aos recursos técnicos que esclarecem aspectos textuais importantes para nossa compreensão do texto e, consequentemente, para a fiel exposição da Palavra de Deus.


É isso aí, pessoal. O que vocês acharam? Gostaram da entrevista? Querem mais entrevistas assim? Faltou alguma pergunta? Deixem seus comentários abaixo!

Um comentário sobre “Entrevista com Pr. Marcos Rogério

  1. DIEGO LIMA

    Olá, gostaria de conhecer melhor sobre como devo traduzir verbos que se encontram no Hifil e Hofal. Há algum material já preparado sobre tradução dos verbos nos devidos troncos? Gostaria de conhecer a sua explicação, de preferência com exemplos. Desculpe a exigência. hehe’

    Curtir

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