Magia, o Natal, e o Fim do Mundo

Feliz Natal a todos meus leitores e suas famílias!

Aliás, falemos sobre Natal.

Diria que não falo da cidade e sim da celebração, mas em verdade quero utilizar um para apresentar o outro. Explico: a foto abaixo é de um monumento na cidade de Natal, RN – o Pórtico dos Reis Magos.

Natal_Pórtico-dos-Reis-Magos

 

Note dois elementos que sequer suspeitamos mais:

  • O nome do monumento é “Pórtico dos Reis Magos”, mas onde na Bíblia encontramos o título de “rei” aplicado aos magos? (resposta: em nenhum lugar)
  • O monumento mostra três magos, mas onde na Bíblia econtramos esse número trino para os magos? (resposta: de novo, em nenhum lugar)

— Tá bom, Danillo. Além de estragar meu belo presépio, o que isso tem a ver com o hebraico?

— Caro leitor, que bom que você perguntou! Para responder essa pergunta, precisamos fazer uma viagem meio maluca. Começaremos em Mateus, daremos marcha ré para Números, de onde seremos transportados às visões de João no livro de Apocalipse, depois do qual terminaremos em dois lugares ao mesmo tempo: Isaías e Lucas.

Junte-se a mim nessa jornada para que ao seu fim possamos louvar nosso Deus e seu caminhos inescrutáveis e profunda sabedoria na encarnação do nosso Redentor!

Ponto de Partida: Mateus 2.1-2

Nosso ponto de partida é Mateus 2.1-2:

Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. E perguntavam: Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo.

Se você se parece comigo, várias perguntas virão à sua mente ao ler esse texto. Quem são esses magos? Por que vieram do Oriente? Como ficaram sabendo que o Rei dos judeus nasceria debaixo de uma estrela provinda do Oriente?

Em primeiro lugar, aqui vai um esclarecimento: a palavra “mago” (μαγος em grego), especialmente um mago do Oriente, nem sempre significava que a pessoa mexia com as artes arcanas. Os “magos” do Oriente eram oficiais, scientistas, astrólogos, matemáticos, escribas e várias outras coisas (inclusive alguns feiticeiros).

Contudo, de onde veio essa ideia de uma estrela que os levaria ao Messias? Será que receberam algum tipo de revelação especial de Deus? Para responder essas perguntas, precisamos voltar a um outro mago do Oriente, um mago que é mais conhecido em conexão com sua jumenta falante…

Primeiro Destino: Números 24.17

Chegamos então a um lugar sombrio, junto às correntes do rio Eufrates (Números 22.5), numa terra bem distante de Israel (mais de mil quilômetros!), na alcova de um vidente meio bruxo, e certamente ganancioso: Balaão. De alguma forma, Balaão comunicava com Deus, e Deus o permitiu (embora fosse contra sua vontade) encontrar com Balaque, rei de Moabe (país logo ao leste do rio Jordão). Balaque pediu que Balaão amaldiçoasse a Israel, que passava por sua terra, e Balaão, contra a vontade de Deus, tentou fazer justamente isso. Contudo, Deus mudou as palavras de Balaão de tal forma que ele pronunciou quatro oráculos de bênção sobre o povo de Deus.

O quarto oráculo é especial, justamente porque ele fala sobre o que Deus fará “nos últimos dias” (Números 24.14). A passagem que nos interessa está no versículo 17:

‎ אֶרְאֶנּוּ וְלֹא עַתָּה אֲשׁוּרֶנּוּ וְלֹא קָרוֹב דָּרַךְ כּוֹכָב מִיַּעֲקֹב וְקָם שֵׁבֶט מִיִּשְׂרָאֵל וּמָחַץ פַּאֲתֵי מוֹאָב וְקַרְקַר כָּל־בְּנֵי־שֵׁת

Abaixo, fiz uma tradução que está mais para o lado da correspondência formal do que da equivalência dinâmica. Em outras palavras, minha tradução abaixo é uma tradução que faz menos sentido em português, mas que mostra certos elementos do hebraico que normalmente não seriam visíveis numa tradução mais fluida. (Veja meu vídeo sobre teorias de tradução aqui para aprender um pouco mais sobre isso.)

Vejo-o, mas não agora; vislumbro-o, mas não de perto; uma estrela pisoteará de Jacó, e um cetro subirá de Israel e ferirá as têmporas de Moabe e destruirá todos os filhos de Sete.

Agora, vamos dar uma olhada no texto sob uma perspectiva diferente, ressaltando os paralelismos existentes entre cada porção:

Num24.17_comparalelismo O versículo está dividido em três pares de linhas paralelas, cada par acrescentando um novo elemento à visão. Assim, o primeiro par fala sobre uma visão incipiente. Balaão consegue, com olhar míope, espreitar algo no futuro distante – o futuro do fim dos tempos, dos “últimos dias”.

O segundo par de linhas paralelas diz qual o objeto de sua visão. Contudo, embora as linhas sejam exatamente paralelas em termos de sua sintaxe (isto é, ambas contêm um verbo de deslocação, o sujeito, e a proveniência do sujeito), o sujeito da primeira é uma estrela, e o da segunda é um cetro. Parece que a estrela que pisotea é também um cetro que ascende.

O último par equaliza Moabe e os filhos de Sete como merecedores da destruição da figura descrita no par B de linhas. Não sabemos ao certo se esse Sete é o mesmo de Gênesis 5.3 ou se era um outro nome para os Moabitas, mas na minha opinião é possível que sim se refira ao filho de Adão. Nessa interpretação, toda a humanidade caída está representada em Moabe.

Portanto, a profecia fala sobre um homem que virá nos últimos dias como conquistador violento de Israel, descrito como uma estrela e um cetro, ou seja, alguém que brilha na escuridão e reina sobre todos seus inimigos. Essa profecia certamente se refere ao Messias, àquele líder ungido de Israel que dominaria sobre todos os inimigos do povo escolhido de Deus. Esse homem, de acordo com nosso texto, esmagaria a cabeça da nação traiçoeira (Moabe) de forma bem similar ao Messias prometido que esmagaria a cabeça da serpente (Gênesis 3.15). Da mesma forma, esse homem é descrito como um cetro, o que certamente nos remete a uma passagem em outro livro escrito por Moisés: “O cetro (שֵׁבֶט) não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos” (Gênesis 49.10).

Aliás, em se falando de “povos”, note bem que aqui temos um mago do oriente profetizando acerca do Messias de Israel. Em Mateus 2.1-2, temos magos do Oriente que arredam uma profecia acerca de uma “estrela” que os levaria ao “rei dos judeus”. Não acho que esses dois fatos são coincidência! Creio ser bem provável que os magos do oriente tivessem algum acesso aos oráculos de Balaão.

Baldeação: Apocalipse 22.16

Chegamos de súbito ao final de toda a Bíblia, trasladados repentinamente ao último capítulo de Apocalipse, no qual temos a única outra referência explícita do Messias como uma estrela:

Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas às igrejas. Eu sou a Raiz e a Geração de Davi, a brilhante Estrela da manhã.

Acho interessantíssimo que Jesus utiliza essa imagem da profecia de Balaão para falar de si mesmo ao final do cânone. A imagem de Números 24.7 é misturada com a profecia de Isaías 11.10: “Naquele dia, recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos”. Ambas profecias falam sobre o Messias e como ele se relaciona com os povos gentios – em Números ele vem para dominar e destruir, e em Isaías, para reinar e acolher. A destruição e o acolhimento do Messias não são ideias tão opostas assim já que, como rei, é necessário que ele destrua seus inimigos para que seus sujeitos tenham como gozar a paz. Assim, encontramos a dupla face do juízo e da salvação de Deus em Cristo Jesus no fim da Bíblia, o que é justamente a mensagem do Natal – um tempo de sujeitar-se ao reino do Messias, antes que venha o juízo final.

Destino Final:

— Mas o que tudo isso tem a ver com o bebê Jesus? Afinal, não é o aniversário de Jesus que celebramos no Natal?

Não. Não é. Celebramos a encarnação de Jesus no Natal. Celebramos o fato de que, na sua vinda, a luz raiou num mundo dominado pelas trevas, e o fato de que na sua primeira vinda já tínhamos a promessa de sua segunda vinda. Celebramos que os últimos dias raiaram, dias nos quais a salvação e juízo de Deus se mostraram a todos os povos. Assim, como Isaías nos diz, e Simeão confirma,

Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra. (Isaías 49.6)

Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel. (Lucas 2.29)

Os magos do Oriente vieram celebrar aquilo que também devemos celebrar no Natal – o fato de que no nascimento de Jesus, Deus inaugurou o fim dos tempos. A estrela e cetro vieram para pisotear todo inimigo de Deus, quebrar sua fonte, e também para estender a salvação que existe em Cristo, na sua morte e ressureição, a todo que nele crer, independentemente de sua nação, linguagem, cor, ou estado social. Assim, ao olhar para aquele belo presépio nesse Natal e para aquelas belas luzes, lembre-se que são apenas símbolos de que o Salvador, ao entrar no mundo, começou já a a trazer a si mesmo pecadores de partes longínquas, gentios magos que de alguma forma estranha ouviram da boca de um falso profeta a verdade que não se pode calar: Jesus Cristo é Rei sobre todo o mundo e até o fim do mundo!

Feliz Natal!

Vem Senhor Jesus!

4 comentários sobre “Magia, o Natal, e o Fim do Mundo

  1. Ana

    Olá, gostei muito de suas publicações e vídeos, já aprendi diversas coisas por meio deles… parabéns pelo seu excelente trabalho.
    Estou procurado à dias a escrita e pronúncia da palavra Família em Aramaico, porém não encontrei em lugar nenhum… será que poderia me ajudar com isso?
    Desde já, agradeço muitíssimo!

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    1. Oi Ana,
      Que bom que o site tem sido de utilidade a você!
      Não conheço essa palavra de cabeça, mas posso procurar saber. Por que você quer saber essa palavra especificamente?

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  2. A Paz do Senhor Jesus. Estava a procura desta informação tão preciosa, e gostei demais. Continue com suas postagens meu irmão, que o Senhor continue te ajudando a edificar a igreja de Cristo. Feliz Natal! Feliz Ano de 2018!

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